XVIII Encontro Abralic - Simpósio: Mundos judaicos com/partilhados: diásporas, viagens, migrações

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Local
Cidade: Salvador – Modalidade: on-line
Descrição
XVIII Encontro Abralic
Simpósio: Mundos judaicos com/partilhados: diásporas, viagens, migrações
Eixo: Contatos interculturais: diásporas, viagens, migrações
Coordenação:
Profa. Dra. Kênia Pereira (UFU)
Profa. Dra. Lyslei Nascimento (UFMG)
Profa. Dra. Nancy Rozenchan (USP)

Resumo: Este simpósio receberá propostas de comunicações que elaborem reflexões críticas sobre os múltiplos e variados mundos judaicos culturais, artísticos, literários, entendidos como arquivos que são reiteradamente impactados e atravessados por diásporas, viagens e migrações. A história, a literatura e a tradição judaica em geral oferecem, com diversidade, uma importante oportunidade para se analisar os males e os benefícios do exílio, as trocas culturais, bem como o exercício, muitas vezes precário, da coexistência, como afirma Maria José de Queiroz em Os males da ausência ou A literatura do exílio (1998). A literatura, em todas as suas manifestações, em diálogo com o cinema, a fotografia, as artes visuais e gráficas, das tábuas da Lei às telas do computador, como avaliam Regina Zilberman e Marisa Lajolo (2009), deixam vislumbrar os contatos interculturais dos judeus com outros grupos étnicos de forma excepcional. Da materialidade do suporte e da mídia sobre a qual se instala a produção literária, passando pelas metáforas sempre pertinentes da geografia, da arqueologia, da genealogia, da tradução, da tradição dos manuscritos e palimpsestos, além do uso contemporâneo do hipertexto e da invenção de realidades virtuais, a heterogeneidade do mundo judaico é compartilhado e põe em cena o escritor e sua representação, nem sempre cordiais ou submissas. Amós Oz e Fania Oz-Salzberger em Os judeus e as palavras (2015) distinguem a controvérsia, a ironia, o autoexame, os muitos exílios, as diásporas e a Shoah, além de uma particular relação com a memória, como estratégias discursivas em que esse grupo, em sua diversidade, fazem falar vozes, exibem lugares de pertencimento e de adoção que evidenciam estratégias de inscrição pondo em relevo uma tradição literária criativa e criadora em movimento e em metamorfose. Essas características revelam interatividades, identidades, memórias e realidades que ressignificam não só a escrita, mas o corpo, como adverte Silviano Santiago em A fisiologia da composição (diante do objeto livro, criando contatos e promovendo a coexistência. Ricardo Foster, em A ficção marrana: uma antecipação das estéticas pós-modernas (2009), compreende a figura “ex-cêntrica” do marrano – o judeu convertido ao cristianismo que, ocultamente, mantém sua fé e sua prática religiosa – como uma espécie de paradigma altamente proveitoso no estudo das imposturas, simulações e deslocamentos da contemporaneidade, não só do marrano, no tempo histórico em que ele está inscrito, mas também do sujeito contemporâneo que, entre as dobras do discurso, é atravessado pela nova história, pela antropologia, pela filosofia, pela psicanálise. Outras estratégias de aproximação e afastamento, como a recriação de mitos e lendas tal qual a do Golem, deixam vislumbrar reflexões sobre o estranho, o familiar, de acordo com Sigmund Freud (2019), e sobre o estranhamento, o estrangeiro, o incômodo diante do desconhecido e a longa história do medo no Ocidente, segundo avalia Jean Delumeau (1991). Nesse sentido, o mito do Judeu Errante, largamente instaurado na literatura desde as Cruzadas, reforça o antissemitismo, a xenofobia. Desse modo, a concepção de duplos antagônicos e complementares, a relação sempre instigante entre criadores e criaturas em múltiplas literaturas, refletem o medo dos imigrantes, dos estrangeiros, dos exilados. A tradição judaica migra para outras tradições e concepções do estar no mundo, como o mito de Lilith e as questões de gênero, que revelam o estranhamento diante do feminino, a reelaboração de mitos da criação e a relação com a escrita e outros tantos temas caros à reflexão presente na ficção que se perpetuam no contexto judaico e migram para outros espaços revelam a vitalidade e abrangência desse acervo viajante. Contos, inclusive os microrrelatos ou em prosa poética; o romance enciclopédico e a estrutura narrativa linear ou em curto-circuito com verbetes e fragmentos; a poesia digital e a dicção bíblica, bem como os gêneros híbridos, o inacabamento, a tradução e o diálogo entre as artes, só para citar algumas dessas manifestações que inscrevem a tradição judaica no mundo compartilhado, estão presentes numa literatura universal que trabalha com uma tradição que migra no tempo e no espaço com os grupos humanos judaicos em dispersão, que é, ao mesmo tempo, arcaica – com seus símbolos e metáforas milenares – mas também contemporânea, na medida em que se inscreve, em suas mais variadas formas, na atualidade. O acervo judaico é, nesse sentido, como o Aleph, no conto célebre de Jorge Luis Borges (2008), espaço e tempo de convergências, tensões, duplos e fantasmagorias. Para Ricardo Piglia, a memória é a tradição (1991). No caso da memória judaica, feita de uma proverbial tradição de comentários e interpretações, os textos se configuram como uma pré-história contemporânea, como vestígios de um passado que se filtram no presente a partir de uma concepção de leitura e escrita cada vez mais ampla e difusa, atravessando cartografias, mapas e atlas, fazendo convergir, confluir e combinar mundos, línguas e memórias como pode ser confirmado em Aventuras de uma língua errante, fundamental livro de Jacó Guinsburg sobre o ídiche (1996). A errância, nesse sentido, estabelece a ambiguidade do vocábulo. Errar, no sentido de equivocar e no sentido de vagar. Ambas as concepções estão presentes, para o estudioso, como estratégia de inscrição e sobrevivência judaica em espaços e tempos muitas vezes adversos. A noção de compartilhamento de bens culturais e práticas discursivas que instauram enunciados como acontecimentos híbridos continuamente reorganizados, traduzidos e revisados é, assim, paradigmática nos estudos judaicos, em geral, e na literatura judaica, em particular. O modo de ação do escritor, nesse contexto, lendo e relendo o acervo judaico, um arquivo, portanto, que o antecede, implica estabelecer estratégias para entrar e sair da tradição, para propor ao leitor um jogo de transmissões, de retomadas, de citações como é possível apreender, por exemplo, na relação da imigração com a literatura no Brasil, em Imigrantes judeus/escritores brasileiros, de Regina Igel (1997). Constituídos por vestígios de cultura, de onde se retiram fragmentos dispersos, esses mundos compartilhados podem alcançar desfechos não previstos. Nesse contexto, o que se acessa não é mais uma tradição imaginada como coesa e fechada, mas um rastro, um recorte, vários recortes, que se inscrevem na contemporaneidade de forma que se evidencie o humano, as cidades e as trocas.

Bibliografia básica

BORGES, Jorge Luis. O Aleph. In: BORGES, Jorge Luis. O Aleph. Tradução de Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainard. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

FOSTER, Ricardo. A ficção marrana: uma antecipação das estéticas pós-modernas. Tradução de Lyslei Nascimento e Miriam L. Volpe. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.

FREUD, Sigmund. Freud: O infamiliar. Tradução de Ernani Chaves e Pedro Heliodoro Tavares. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

GUINSBURG, Jacó. Aventuras de uma língua errante. São Paulo: Perspectiva, 1996.

IGEL, Regina. Imigrantes judeus/escritores brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1997.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Das tábuas da Lei às telas do computador: a leitura em seus discursos. São Paulo: Ática, 2009.

OZ, Amós; OZ-SALZBERGER, Fania. Os judeus e as palavras. Tradução de George Schlesinger. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

PIGLIA, Ricardo. Memoria y tradición. Anais do 2º. Congresso ABRALIC: Literatura e Memória Cultural. Belo Horizonte: ABRALIC, 1991. p. 60-66.

QUEIROZ, Maria José de. Os males da ausência ou A literatura do exílio. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.
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